- Para os leitores do site FullRock que não conhecem o trabalho da ORGANOCLORADOS,
poderiam descrever os principais pontos da carreira de vocês até aqui?
O embrião da banda foi formado num ambiente universitário em 1985, no interior da Bahia, num contexto que misturava irreverência, crítica social e existencial, rebeldia juvenil contra o autoritarismo e a caretice, preocupação com o meio ambiente, experiências românticas e o fantasma da guerra nuclear.
Em julho começamos a compor canções e só em setembro é que veio a ideia de montar uma banda, quando apareceu um colega querendo tocar baixo. Depois de uma grande rotatividade de integrantes, em 1990 Joir assumiu as baquetas, a banda consolidou a formação e estruturou uma dinâmica de trabalho, com planos mais claros. Daí em diante, nada veio fácil, mas conseguimos com muito esforço produzir e lançar de forma independente 05 álbuns, 02 EP, 01 card drive e 02 DVD. Estimamos já ter realizado mais de 800 apresentações, nos mais diversos tipos de palcos, lugares e eventos, em cidades do interior da Bahia, em Salvador, além de passagens por Recife e São Paulo. Passamos por muita coisa em quase 40 anos de muitas histórias, sendo 35 deles com a mesma formação: Artur W (vocal, guitarras e violões), André G (baixo), Joir Rocha (bateria e percussão) e Roger Silva (teclados e
backing-vocals).
- “Dreams and Falls” é o segundo álbum da banda e foi lançado de forma independente, como
ele vem sendo recebido até aqui?
Em verdade, “Dreams and Falls” é o quinto álbum da banda. Considerando os comentários, matérias positivas publicadas (algumas em blogs internacionais), inclusão de músicas em playlists (algumas internacionais), veiculação em rádios do Brasil e exterior, além de algumas entrevistas, creio que a receptividade tem sido muito boa. O álbum foi lançado nas plataformas no final de março/2025 e nossa capacidade de investimento em estratégias de marketing é limitada, mas estamos satisfeitos porque temos os pés no chão e não alimentamos expectativas ilusórias, apesar da convicção que temos sobre a qualidade da
produção.
- Um ponto que salta aos olhos no álbum, é que vocês optaram pelo inglês para passarem as
suas mensagens, em detrimento do português, algo pouco usual para banda de Rock. Por qual
razão resolveram seguir por este caminho?
Raul Seixas nos inspira com o mandamento “Faz o que tu queres, há de ser tudo da lei”. Então,
acho que a resposta mais direta é “porque simplesmente tivemos vontade de experimentar esse
caminho”. Em nosso álbum de estreia, “Princípio Ativo”, lançado em 2001, já tínhamos ousado
incluir uma música em inglês. Algumas vezes eu escrevo letras originalmente em inglês, sem
passar pelo português, e a galera da banda curte. Durante as gravações do álbum “Saudade da
Razão” (lançado em 2022), alguns testes nos ensaios e em estúdio nos despertaram para essa
possibilidade.
As conversas internas foram amadurecendo, nós tínhamos algumas canções compostas em inglês que estavam guardadas, eu tinha acabado de compor “Just for Today” (a caçula do álbum) e elaborei versões para várias músicas até selecionarmos as que melhor se adaptaram ao inglês. Desde o lançamento do álbum “Quântico” (2018) e uma resenha crítica bem positiva que foi publicada numa revista digital com sede em Los Angeles, EUA, blogs e rádios do exterior repercutiram músicas nossas em português e várias entraram em playlists internacionais, o que foi um estímulo extra. Tudo isso, junto com o gosto do desafio e o instinto pioneiro, no final das contas nos perguntamos: por que não? E saltamos no desconhecido.
- O Som da ORGANOCLORADOS é difícil de ser rotulado, mas eu consegui enxergar
similaridades com o Classic Rock. Vocês concordam com tal afirmativa? Caso não concordem,
como vocês se definiriam?
Sabe, lembro que lá nos primórdios tivemos um slogan de apresentação: “rock não-alinhado”.
Era uma alusão os países que não se colocavam nem do lado do outro na Guerra Fria. Hoje,
depois de tudo que criamos, olho para trás e entendo que à primeira vista talvez seja difícil
rotular nosso som. Nós gostamos disso!
Em relação ao Classic Rock, acho nunca pensamos nessa similaridade, mas sua visão pode estar
certa porque os olhos de quem vê (ou os ouvidos de quem escuta) são preponderantes. Quando
escreveram dizendo que somos uma banda pós-punk que curiosamente tem traços de hard rock,
foi uma surpresa, mas depois concordamos. Pessoalmente gosto muito de conhecer essas novas
percepções que outras pessoas têm de nosso som, são sinais que nos fazem crescer.
Apesar dessas impressões que o som que fazemos gera e vez por outra incorporar sonoridades
diversas, basicamente definimos a Organoclorados como uma banda pós-punk. A questão que
talvez seja provocante é que não seguimos fórmulas pré-concebidas e fugimos de qualquer coisa
que possa soar como “mais do mesmo”, somos muito autocríticos nesse aspecto. Sim, nossas
raízes estão no pós-punk, new wave e gótico, mas temos a mente aberta o suficiente para
agregar influências e referências de outras vertentes e artistas que admiramos e nos inspiram,
até mesmo de outros gêneros.
No processo desde a criação até os arranjos finais seguimos bastante a inspiração, o acaso, o instinto e muitas vezes até o improviso e a sorte. Acho que por isso às vezes pode ser difícil à primeira audição colar um rótulo em nosso trabalho, principalmente se você escutar uma ou duas músicas. Uma coisa enriquecedora é que as várias facetas do som dialogam com as diferentes bagagens musicais dos ouvintes, provocando reações também diversas. Aí está a riqueza que nos fascina!
- Particularmente gostei bastante de “Horses on the Streets”, pois ela meio que sintetiza o
que temos em todo o disco. Como vem sendo a aceitação dele com o público, e quais do
material vem sendo mais pedidas nos shows da banda?
Bem interessante você chegar a essa conclusão. Novamente vem a questão que citei sobre a
bagagem musical do ouvinte e a experiência de ouvir um conjunto de músicas do catálogo. Eu
diria que em termos musicais “Horses on the Streets” tem vários dos elementos conceituais do
disco, sendo uma faixa fundamental para a estética musical do resultado total. Ela expressa a
liberdade criativa dos arranjos e timbres, a irreverência e a ironia contidas da letra, com sutis
referências aos Beatles e a James Brown. Acho até que ela é uma ponte de ligação com outras
canções que estão em discos anteriores.
Quanto à aceitação do disco, tem sido uma grata surpresa, pois resenhas críticas publicadas em
blogs dedicados à música independente nos Estados Unidos e na Inglaterra foram positivas,
algumas até bem detalhadas. Tem sido uma experiência incrível porque há interpretações,
leituras, significados e perspectivas que nem imaginávamos estar nas músicas que produzimos.
No público, a aceitação é parecida. Ultimamente, os pedidos nos shows e os comentários nas
mídias sociais são direcionados principalmente para “Days and Roses”, “Lori” e “Insecurity”.
Claro que aquelas que são versões de músicas já conhecidas são mais fáceis de buscar na
memória dos ouvintes e isso ajuda bastante, porém ressalto que ainda estamos no início da
promoção das músicas do álbum, sendo os shows uma das ações nesse sentido, em que as novas
músicas são apresentadas. Há muita coisa a se fazer para difundir o maior número de músicas
possível, sem falar que não podemos descuidar do repertório dos discos anteriores.
- A produção do CD é outro fator importante, o que você pode nos dizer sobre o processo de
produção de “Dreams and Falls”?
Durante a produção do álbum anterior, “Saudade da Razão” (2022), houve um aprendizado
acumulado nos ensaios de pré-produção e gravações preliminares que serviu como um
despertar e, como disse antes, em certo momento a ideia de um álbum em inglês surgiu,
rapidamente o conceito se desenvolveu e as músicas foram selecionadas, mas o projeto ficou
na espera. Aproveitei esse período para pesquisar e melhorar as traduções e versões para o
inglês, no que contei com a valiosíssima ajuda dos professores Maria Eunice Bahia e Matthew
Carmo.
Quando voltamos ao estúdio em 2023-2024, para gravar novas músicas para um álbum em
português, vimos a oportunidade (que logo em seguida se tornou desafio). Por estar ali com um
estúdio já contratado, fizemos um aditivo e expandimos a empreitada para um número maior
de músicas e eventuais versões. Foram muitas sessões de estúdio, desde as guias para definir
andamentos e estruturas, passando pela inserção das linhas de base de bateria, baixo e guitarra,
arranjos de licks, arpejos, solos e timbres de guitarras, arranjos e timbres de teclados e piano,
tomadas de vozes, coros e efeitos. Por fim, acompanhamos de perto as sessões de mixagem e
edição, atentos a muitos detalhes e o tempo todo abertos ao experimentalismo. Em
entendimentos com o estúdio, resolvemos aplicar uma masterização específica nas músicas em
inglês, diferente daquela aplicada às faixas em português.
Todo esse esforço para traduzir um conceito que busca sintetizar os ciclos de alternância entre
o peso e a melodia, o sonho e o colapso e para isso testamos nossa capacidade de unir
melancolia e energia dançante, explorando sonoridades vintage e texturas contemporâneas
- Confesso que demorei muito para entender a proposta musical de vocês, este tipo de
afirmativa tem chegado ao conhecimento de vocês através de outras pessoas? Quais
referências musicais vocês buscam no momento de compor as canções da
ORGANOCLORADOS?
Fiel às propriedades dos Organoclorados, nossa obra musical é persistente, tem efeito residual
e acumulativo nos corações e mentes de quem ouve e processa. Quanto mais se escuta,
experimenta e conhece, mais fácil e natural o entendimento da proposta musical e
principalmente do sentido das letras. Acho que é diretamente proporcional. Ouvimos pessoas
que dizem isso e outras que dizem o contrário. Gente que primeiro tenta entender, gente que
curte e dança pra depois analisar, gente que só relaxa, reflete e sente. Saber de toda essa
variedade de interações, como se fossem usos diferentes conforme a preferência,
principalmente para mim que sou compositor, traz uma imensa satisfação.
Sobre as referências musicais, elas vêm naturalmente, não fazemos de forma premeditada, e na
maioria das vezes só pensamos nisso depois que a música já está pronta. Depende muito do
momento em que a inspiração acontece e do ponto de partida (letra, melodia, riff de guitarra,
linha de baixo etc.). Tudo ocorre de maneira muito natural, às vezes a composição sai quase
inteira e instantânea, outras vezes leva tempo até chegar ao formato final. Se você se refere a
artistas que nos influenciam, posso citar os principais: Joy Division, Echo and the Bunnymen, The
Smiths, The Doors e Raul Seixas.
- Recentemente recebi o produto físico e fiquei de queixo caído com a arte da capa. Como ela
é muito subjetiva, teria como nos ajudar a compreendê-la?
Pensamos que a arte da capa é um requisito essencial para a representação do conceito da obra,
ou pelo menos para dar pistas do seu conteúdo. O processo de definição da arte levou quase o
mesmo tempo que a produção das músicas e isso permitiu um amadurecimento gradual que
nos deixou bastante satisfeitos. A capa tomou como base uma linda fotografia do Panteón, um
monumento localizado no Cemitério de Montjuïc, Barcelona, de autoria de August Urrutia i
Roldán. A adaptação foi um recorte que destaca a escultura do anjo abatido creditada a Josep
Campeny i Santamaria (1858-1922), com um ajuste de cores. O tema e a estética têm ligação
direta com o conceito que comentei anteriormente (sonho versus colapso), o título e o sentido
que perpassa toda a sequência de músicas. Se observar com atenção, verá que o estado abatido
do anjo tanto pode ser entendido no modo físico quanto no modo emocional, e como suas asas
estão íntegras, fica a questão: ele pode se recuperar e voar novamente? Desse ponto de vista,
acho que fica até mais objetiva, ainda que conserve um toque de mistério.
Não sabemos se a intenção do autor da escultura foi transmitir essa mensagem, mas o valor
artístico se manifesta justamente quando inspira nossa interpretação para gerar outra peça
artística, nesse caso, a arte do álbum. Essa subjetividade é fascinante e através da capa
convidamos o público a contemplar essa arte e fazer seu próprio exercício reflexivo.
- Quais os planos da banda para um futuro próximo? Um novo álbum já está sendo composto?
Pretendem seguir o mesmo direcionamento musical?
Temos nos dedicado a promover o álbum Dreams and Falls em mídias sociais, shows, enviando
material para rádios, blogs, sites, etc. e pretendemos seguir com tais ações nos próximos meses,
dentro das nossas possibilidades e respeitando nossas limitações. Como estratégia adicional,
acabamos de produzir um clipe da música Days and Roses que será lançado no Dia Mundial do
Rock e planejamos produzir outro clipe até o final do ano. Ao lado disso, está bem avançado o
processo para a produção e o lançamento do álbum Dreams and Falls em meio físico (compact
disc).
Temos material gravado para mais duas produções inéditas (01 álbum em português e 01 EP em
espanhol) que estão na fase final de masterização, ambas ainda sem cronogramas de
lançamento definidos. Em termos de direcionamento musical, creio que nossa identidade se
mantém, mesmo com o aprendizado e a evolução constante. Claro, as facetas continuarão a se
manifestar, com toda a certeza.
Ah, tem outro material gravado para um projeto inédito que está sob avaliação e não posso
adiantar informações no momento porque ainda depende de aprovação da banda.
- Obrigado pelo tempo cedido para a equipe da Fullrock, é chegado o momento das
considerações finais…
Imagina, nós é que ficamos imensamente gratos à FullRock pela oportunidade! A Organoclorados é uma banda inquieta, sempre procurando algo a fazer, criar, produzir. Sempre buscando formas criativas de expressar nossas reflexões, sentimentos e críticas. Fugimos do lugar comum e dos clichês, queremos provocar a saída da zona de conforto, estimular neurônios, fazer pensar e sentir. Prezamos a poesia e cuidamos com carinho da qualidade das letras em nossas músicas. O rock autoral independente, alternativo, especialmente o que está fora do radar do mainstream e não conta com exposição na grande mídia, merece uma chance de ser ouvido e compreendido.Da nossa parte, vamos em frente com nossas produções, sempre com muito respeito à qualidade e ao público. Força sempre, abraço fraternal e boas energias para vocês! Abraços e parabéns pelo alto nível da entrevista. Esperamos retornar algum dia.
Muito boas as perguntas. Gostamos bastante.
ResponderExcluirShow !
ResponderExcluir.
Bate papo de alta qualidade.
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Parabéns
👍
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