LIXORGÂNICO: ''Sem resistência seremos tragados''

O cenário Underground nacional a cada dia nos mostra sons de diversos gêneros, por vezes alguns nada interessantes por seguir os mesmos traços e não conseguir transmitir um carisma ou identidade que mexa os ouvidos daqueles que curtem tal, mas isso até o momento não deixou o Ceará a mercê, tem gosto pra tudo e pra todos, literalmente falando. Dessa vez é um grande prazer falar com uma das bandas mais potentes em relação a postura, sonoridade e batalha sob o front musical e político, a LIXORGÂNICO. Nesta mesma falamos com os integrantes, em especial o Vinicius, patrão, proprietário, roadie, manager, administrador, distribuidor, professor, vocalista, enfim, leiam todos sem moderação, mas se for fascista, termine nos próximos dois pontos:

Pedro Hewitt - Salve Vinícius e família LIXORGANICO, tudo bem com vocês? Como andam os projetos?
Vinicius - Opa! Valeu demais pelo convite. Bom, desde agosto de 2020 retomamos os ensaios, obviamente respeitando todos os cuidados, para continuarmos o processo de composição de 10 novas músicas. A ideia é lançarmos um material físico agora em 2021 e claro, estamos bem próximos de iniciar as gravações.

Pedro Hewitt - Podemos observar que cada um possui seus projetos paralelos, isso faz com que a banda seja mais madura e com um material mais coeso?
Vinicius - Com certeza. Eu sou o mais inexperiente da banda, digamos assim. Essa posição de assumir vocais está sendo algo novo. Já o Rômulo é também batera da Warbiff de Thrash Metal, o Robert estava tocando baixo na Beco Tubarão e o Felipe é baixista da banda Corja! E claro o entrosamento incrível deles na trajetória LIXORGANICO.

Pedro Hewitt - A Lixorganico possui a força da prática nas faixas que remete a oposição dos diversos atos imundos como a xenofobia, fascismo, racismo e homofobia. Qual a importância de tratar das tais temáticas nos materiais, e lógico, nesses tempos escuros que vivemos?
Vinicius - A LIXORGANICO sempre carregou essa postura combativa e de denúncia social. Quando a banda retornou as novas composições não seriam diferentes. Claro que o contexto bizarro que vivemos ajuda a elaborar letras mais precisas e com objetivos claros. Porém, a nossa preocupação é que as músicas saiam entendíveis e as letras provoquem reflexão. Não é apenas uma música de revolta feita por revoltados, mas um papel de tentativa de enfrentamento e mudança. Deixar as coisas explicáveis ao invés de ficar apenas em palavras de ordem.

Pedro Hewitt - Vocês possuem um registro gravado em 2007 com outra formação, se não me engano houve 2 vocalistas e um deles reside até fora do Brasil, após o petardo a banda passou por um hiato. O que houve na realidade, e porque tamanho tempo? Com a entrada de Vinícius nos vocais, lançaram o material que supostamente já existia com o vocalista anterior, "Vida Ameaçada", tendo uma pegada mais crossover, logo após veio os ao vivo. Como se deu todos esses processos?
Lixorganico - Na verdade resolvemos soltar o Vida Ameaçada com o Hebert, primeiro vocalista, em Dezembro no Bandcamp porque não deixa de ser um registro muito importante da banda. Chegou a ser lançado em CD. Já o hiato ocorreu naturalmente pois os membros tinham outros projetos. O retorno da banda foi um convite do Felipe (Guitarra e membro fundador da banda) e o Robert (baixista). Das músicas antigas da LIXORGANICO tocamos apenas “Vida Ameaçada” e “A sua Ignorância” o restante das 8 faixas são composições inéditas. Já os ao vivos foram uma forma de poder gerar conteúdo para quem curte a banda. Usamos muito Instagram, Bandcamp e Youtube. Sempre que temos algo bacana postamos. É legal também ver o caminho da banda desde seu retorno a um ano. Temos disponíveis em vídeo 3 apresentações completas e em todas já tocávamos músicas que sairão no próximo trabalho. A banda não para.

Pedro Hewitt - A LIXORGANICO pra mim é uma banda já com uma estrada percorrida, apesar de nunca pisar fora do quadrado do Hardcore e sempre ter uma sonoridade de protesto. Atualmente a banda está repaginada, na qual as posturas e integrantes foram atualizadas. O que a mesma transmite de outros invernos? Como estão as correrias dos lançamentos juntando essas peças?
Vinicius – Existe um amadurecimento natural de cada um. E claro influências acumuladas ao longo da vida. Mesmo assim, sempre com o pé no Hardcore que é o norte da banda. Naturalmente a LIXORGANICO está ficando mais pesada e encontrando uma identidade própria. Eu posso falar pelos vocais das músicas novas que estão mais graves que o Vida Ameaçada gravado no ano passado. E no final das contas essa é a parte mais legal da banda. Existe uma empolgação constante naquilo que fazemos. 

Pedro Hewitt - Vinícius, você é proprietário da Vertigem Discos e eu da Gagau Prods. Fechamos uma ótima parceria no The Iguana's Attäck, reunimos várias bandas e movimentamos como podemos nas redes sociais. Quais planos para o selo estão em preparação para este ano?
Vinicius - E que coletânea foda, diga-se de passagem. Bom, pra 2021 é o mesmo pensamento de sempre, tentar apoiar projetos relevantes e sobreviver mais um ano. No caso entramos no 5º de Verti-gem Discos. O primeiro semestre já está lotado. Ainda mais que muitos projetos do final do ano passado acabaram passando para esse ano. As fábricas de CD e LP meio que superlotaram e muitas bandas vieram com trabalhos espetaculares. Essa é a parte mais incrível. Ainda quero voltar a fazer outro Vertigem Sessions usando ainda a vibe das Lives. Foi um trabalho incrível feito com as bandas Viollen e Structure Violence. Tivemos um ótimo número de visualizações, cobertura fotográfica da Ruanna Cordeiro, trabalho gráfico profissional da Ink Creations, transmissão pelo Estúdio 746. E ainda lançamos em formato físico CD-R. Acabou sendo um trabalho que valorizou todos os envolvidos. 
Pedro Hewitt - Ainda em relação ao selo, é fácil uma banda querer e chegar para oferecer música. Como funciona a curadoria da Vertigem Discos? Levando isso em conta, o que você acha dessa galera que faz sucesso muito rápido hoje em dia, isto é, sobre o mercado musical? E desses movimentos em prol do Rock, como coletivos, etc?
Vinicius - Tem bandas que mandam material ou pedem ajuda pra conseguir selos e lançar de forma coletiva. O grande lance é a banda estar disposta a trabalhar junto. Fato. A Vertigem é um selo que apoia lançamentos coletivos porque no final o material da banda tem um alcance maior e não sai tão caro pra todos. A curadoria gira em torno de gostar do som da banda, da disposição da galera pra fazer o trabalho junto e claro a postura política. A Vertigem tem a mesma postura do Vinicius. Esquerda, antifascista e contra formas de opressão. Sobre o mercado e o sucesso eles são características claras do capitalismo. Eles possuem fórmulas e pessoas que estejam dispostas a entrar nisso. Eu não estou e nem quero. Muitas bandas conseguem ser profissionais e independentes ao mesmo tempo. É difícil? Sempre é. Desde quando nossa sociedade facilitou pro trabalhador? Sem resistência seremos tragados. A palavra coletividade tem um peso chave pra mim. Não é apenas juntar e lançar. Existe algo nesse processo que é a amizade, trabalhar junto, valorizar ideias, apoiar. Sem isso, não é coletividade, é interesse individual. E que obviamente dentro do cenário independente tem e muito.

Pedro Hewitt - Com a questão anterior, é fato que o Hardcore em geral é totalmente contra fascista, principalmente no contexto Nordeste. Mas porque ainda há tantos relatos de carecas e neofachos no cenário daí e de outras regiões? Aliás, porque de uns tempos pra cá os posicionamentos e opiniões contrárias se tornaram tão ofensivos até para ditos "amigos"?
Vinicius - A sociedade é um campo de disputa porque vivemos em um sistema que se alimenta disso. Muitos grupos vão querer fincar sua bandeira na parte mais alta. E não vão medir as consequências para isso. A ideia de competição e de superioridade faz com que grupos se apropriem de espaços, movimentos culturais e expressões culturais para estabelecer suas raízes e dizer “isso é nosso”. Esse tipo de visão se estendeu ao ponto de existirem pessoas idiotizadas que escutam um som pelo som. (Vide o caso recente do cara que pediu ao Chico César para se afastar de ideologias). De Neo essa galera não tem nada. São pessoas que vivem uma esquizofrenia causada por falhas presentes na educação familiar, nas escolas, nas aulas de História, filmes e documentários que enaltecem líderes e estéticas fascistas. Esses problemas têm raízes profundas. Nos resta combater isso. Tensionar. Fazer o bom e velho trabalho de base.
Pedro Hewitt - Se posicionar e saber onde pisa é ideal. Tenho um amor fabuloso pelo cenário cearense, ainda mais em ver que praticamente todas as bandas que acompanho estão no front da resistência, mas claro, sempre há aquelas que se vendem, que preferem não se posicionar, que minimizam o caos presente. Na opinião de vocês, quais tipos de bandas na atualidade que merecem ser entendidas como Underground e "médias", e aquelas que não merecem ser?
Lixorganico - Acredito que classificar já é um erro. Isso é um princípio voltado pra rótulo e isso é coisa de mercado consumidor. Não é porque uma banda ganha grana ou notoriedade que ela se vendeu. Isso é um tipo de pensamento tosco. Pô. São trabalhadores. Não tô dizendo ganhar dinheiro no sentido de ficar rico. Mas de sobreviver ao massacre de ser alguém pertencente à classe trabalhadora. Aqueles que querem lutar, educar e mudar algo sabem o quanto é foda seguir. Mas seguem, porque percebem algo para além da arte que está sendo produzida. E que não é algo por ela mesma. O mercado se preocupa em moldar para comercializar. Se não tem o devido retorno, ou faz a repaginada ou descarta. Ter consciência de classe e saber questionar privilégios históricos é muito mais importante que classificar o que é ou não é Underground.  Espero ter conseguido responder.

Pedro Hewitt - Com a pandemia existente, a área cultural ficou extremamente prejudicada, já é difícil para nós do Underground, imagina agora. Paralisação, pausa de ensaio, restrições e lives está desde o início tentando contornar o momento. Como lidaram e lidam com isso? Inclusive, a Vertigem realizou Sessions, como está essa parceria? Este semestre será que poderemos executar um evento frenético pela capital cearense?
Lixorganico - Existe um caos ainda. Pessoas que já jogaram tudo pro ar. O que demonstra um sério nível de egoísmo e individualismo onde somos “obrigados” a viver algo novo. Existem também artistas de diferentes segmentos da música precisando sobreviver. É mais difícil do que era antes. Retornamos com a LIXORGANICO apenas quando surgiu a oportunidade de tocar na Live do Festival Sexta Rock. Mesmo seguindo protocolos e cuidados é sempre tenso. Porém, não paramos de compor. Toda oportunidade que apareceu se tornou conteúdo na internet. O Bandcamp foi uma grande ajuda. Aproveitamos os “Bandcamp Day” para divulgar materiais nesses dias específicos criados pela plataforma para que as vendas realizadas fossem direcionadas aos artistas sem cobrança de impostos. Sobre o Vertigem Sessions, dificilmente ocorra neste primeiro semestre por causa dos compromissos de lançamentos do selo e *o físico da banda. Isso não quer dizer que o projeto será deixado de lado.
Pedro Hewitt - Percebo que a sede de justiça e ódio é notável nas letras, e com fascista não se tem diálogo, se tem pontapé e soco. Tudo isso se resume em otimismo claro frente à luta diária?
Lixorganico - Não digo otimismo, mas postura mesmo. Dizer de forma clara a ideia. E pô. Ódio tem de sobra.

Pedro Hewitt - Muitos espaços fecharam, alguns bares ainda resistem, acho que há um problema em tocar logo em breve. Como anda essas movimentações por aí? Os espaços de shows estão limitados devido a pandemia, público, gastos?
Lixorganico - Infelizmente, espaços importantes para o Underground fecharam as portas. Alguns outros estão promovendo shows, mas de bandas cover. Com relação às estratégias durante a Pandemia ressalto as ações incríveis da ACR (Associação Cultural Cearense do Rock) através do ForCaos On-Line e do Sexta Rock. São festivais que têm se preocupado em movimentar e fomentar produções em período difíceis.
 
Pedro Hewitt - Volta e meia reitero sobre esse assunto; lembro bem o ocorrido em Fortaleza no evento Hardcore Contra o Fascismo. Uma lástima, espero que os covardes estejam pagando hoje em dia. Mas esse evento, assim como outros, é um alívio para o momento que estamos vivendo?
Lixorganico - Pelo contexto do período o tensionamento era questão de tempo. Porém, festivais como aquele são necessários por atrelar um posicionamento combativo em espaços públicos. Essencial.

Pedro Hewitt - Sobre as bandas resistentes no cenário cearense, quais as que mais admiram e repre-sentam o LIXORGANICO?
Lixorganico - Antes da Pandemia tocamos em um Festival chamado Revival que reuniu bandas de Punk/HC do final dos anos 90 e que ainda estão em atividade. Foi incrível. E claro, nada mais justo que citá-las aqui. Veia Cava, Mercado Negro, Infame e Thrunda.
Pedro Hewitt - Que a propagação antifascista e a queda do presidente seja grandiosa, aqui encerramos essa entrevista que mostra claro o grito da resistência da LIXORGANICO. Avante sempre, meus amigos, nos vemos! Deixem a última mensagem à vontade.
Lixorganico - Muito obrigado a todos e todas que tem dado um feedback irado para a banda, comprando merch, compartilhando e incentivando nossa continuidade. Obrigado também aqueles que resistem diariamente a essa necropolítica que vivemos. Ainda vão rolar dias difíceis, por isso nada de baixar a cabeça. Valeu pelo convite e pela entrevista meu irmão. Seguimos juntos. 

Share on Google Plus

About Pedro Hewitt

Trabalha desde 2002 com produção de shows em Teresina. Teve a oportunidade de trabalhar com grandes nomes do Heavy Metal e Rock and Roll como Paul Di Anno, Ira!, Hangar, Angra, Shaman, Andralls, Drowned, Clamus, Dark Season, Megahertz, Anno Zero, Empty Grace, Morbydia, Káfila, entre outros.

0 comentários :

Postar um comentário