Review: Dorsal Atlântica - Dividir & Conquistar (relançamento)

1988 eram tempos de ventos radicais. O Thrash Metal, por mais undeground que fosse, era uma coisa tida como 'moda' pelos mais puristas, e necessitava galgar vários degraus ainda para se firmar como estilo mercadológico. Enquanto lá fora o Metallica lançava “Master of Puppets” (tido hoje por muitos como a obra-prima da banda) e os suiços do Celtic Frost colocavam orquestra e vocal feminino no Death Metal de “To Mega Therion”, aqui no Brasil as duas bandas que tomavam a dianteira do 'movimento' também davam passos largos em suas carreiras. Ainda morando em Minas, longe do grande mercado metaleiro que era SP, o Sepultura saia do Death Metal cru e quase monocórdico de “Morbid Visions” para uma evolução musical e lírica a olhos vistos em “Schizophrenia”, abriria portas ainda mais largas para a banda no exterior e pavimentaria o início de sua carreira internacional como a conhecemos hoje. Enquanto isso, na Cidade Maravilhosa, a Dorsal Atlântica, banda pioneira no estilo no país e inspiradora dos irmãos cavalera, também planejava seus voôs.

[caption id="attachment_3020" align="alignnone" width="550"]Review: Dorsal Atlântica - Dividir & Conquistar (relançamento) Review: Dorsal Atlântica - Dividir & Conquistar (relançamento)[/caption]

A Dorsal vinha de um disco que é, até hoje, um divisor de águas. “Antes do Fim” (1985) trouxe uma nova formatação para a música pesada no Brasil, ainda naqueles tempos atrelada à imagem de “rock pesado”, carregada nas tintas do Rock in Rio I. A Dorsal chegou com guitarras sujas, vocais guturais e uma batida que misturava hardcore aos instrumental, numa época que misturar heavy e punk era brincar com fósforos numa fábrica de fogos de artifício. Não bastasse a parte da audição, a lírica das letras de Carlos Lopes (na época assinando “Vândalo”) era uma overdose de informação pra quem vivia na trincheira do discurso hedonista-satânico das bandas de hard/heavy da época. Violência urbana, preconceito, autoritarismo, médicos nazistas e um resto de discurso juvenil de “morte aos falsos” figurava no cardápio das letras da Dorsal; e todas em português, ainda por cima.

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Antes do Fim” foi, e continua sendo, um disco bem recebido, no Brasil e fora dele. Solidificou o nome da Dorsal como expoente do novo Metal feito no Brasil, longe dos clichês da mídia e em pé de igualdade com o que se fazia lá fora. Prova disso foi a banda roubando a cena dos ingleses do Venom, no ginásio do Maracanãzinho, numa turnê atrapalhada e cheia de mutretas de Cronos e cia pelo solo brasileiro no segundo semestre de 1987. Os fiéis seguidores dos irmãos Cláudio e Carlos Lopes nem sonhavam que o trio, completado por um baterista apelidado, providencialmente, de “Hardcore”, estava preparando o pulo do gato.

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Em sua biografia, lançada anos depois, Carlos Lopes conta que se sentia, naquela época, desconfortável por ter de seguir preceitos e regras dentro de um estilo de música e vida que ele entendia como libertadores. Dessa insatisfação nasceu o conceito de “Dividir & Conquistar”, um disco pensado para ser ousado e inquieto. As músicas seriam mais trabalhadas, e as temáticas ainda mais 'complicadas' e perturbadoras, se o público iria digeri-las ou não, só o tempo diria.

A parte gráfica na versão original em vinil era toda elaborada por Carlos, tanto o desenho da capa que transportava o ouvinte para o universo das letras e do próprio título (uma frase do imperador Cezar) quanto a parte interna, onde molduras continham fotos da banda ao vivo. A capa, dupla, considerada embalagem de luxo e reservada apenas a lançamentos especiais, já causava impacto no ouvinte. As músicas não deixavam dúvida que a Dorsal ia fundo nas mensagens, tirando seus fãs do universo da alienação ideológica e do maniqueísmo fantástico.

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Os “anos de chumbo” (“Tortura”), questões filosóficas e ideológicas (“Vitória”), a crônica de um assalto presenciado por Carlos (“Violência é Real”), radicalismo (“Metal Desunido”) e indigência (“Morador das Ruas” e “Preso ao Passado”) davam voz a um som bem menos cru que o anteriormente escutado em “Antes do Fim”, mas deixando a sensação de que a Dorsal realmente estava antenada com o que era feito no exterior. Sobrava espaço até para uma pequena aulinha de História, “Lucrécia Bórgia” , uma botinada com classe nos valores da igreja católica, sem apelações ginasianas.

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“Dividir...” ganhou uma versão em inglês; na verdade um EP, pois nem todas as músicas foram vertidas para o inglês. Alertada por fãs europeus que edições piratas de seus discos podiam ser achadas nos mais distantes países do velho continente a banda não tardou a armar um lançamento internacional, ainda que modesto. A versão em inglês não decolou, virou item de colecionador, mas sinalizou a próxima mudança na Dorsal: letras em inglês que passariam a dar a tônica nos lançamentos posteriores da banda, até a sua dissolução em 1997. Essas primeiras faixas em inglês da Dorsal Atlântica hoje são os bônus da edição (definitiva) de “Dividir & Conquistar” em formato CD, que a Encore Records disponibiliza no mercado brasileiro.

[UPDATE] A banda não acabou em 1997, ano do lançamento do Straight, o último álbum de estúdio. Em 98 a Dorsal toca no Monsters of Rock e grava uma última demo para um futuro álbum nunca lançado, além de gravar um cover da banda argentina V-8 em um tributo lançado na Argentina. A banda de fato, acabou em 2000.
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About Fábio Pitombeira

Trabalha desde 2002 com produção de shows em Teresina. Teve a oportunidade de trabalhar com grandes nomes do Heavy Metal e Rock and Roll como Paul Di Anno, Ira!, Hangar, Angra, Shaman, Andralls, Drowned, Clamus, Dark Season, Megahertz, Anno Zero, Empty Grace, Morbydia, Káfila, entre outros.

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